Enfrentando o Luto: Estamos Preparados para Lidar com a Morte e Suas Consequências?

Jun 28, 2024 | Geral


Luana Lourenço


https://orcid.org/0000-0002-2628-0747

O luto é um processo complexo que começa com a perda de alguém querido e se estende até que a pessoa enlutada consiga reintegrar-se ao mundo externo. Trata-se de uma jornada profundamente emocional e pessoal, caracterizada pela capacidade de enfrentar a ausência e elaborar a dor. A superação do luto é essencial para evitar que a dor se transforme em problemas psicológicos mais graves no futuro.

Quando bem processado, o luto não é considerado patológico, mesmo que possa provocar mudanças temporárias no comportamento do indivíduo enlutado, como a diminuição do interesse social e nas atividades diárias. Sintomas comuns incluem choque, crises de choro, sentimentos de culpa, desespero, raiva e falta de prazer nas coisas que antes eram significativas. Ainda, há aqueles com maior dificuldade em processar o luto, acaba por cristalizar seus sentimentos acreditando por variadas razões que naquele momento não pode senti-los. Nesses casos, essa ferida, se não for devidamente tratada, poderá incorrer em prejuízos com efeitos maiores no futuro. 

Logo, cada pessoa reage de maneira única ao luto, dependendo de sua estrutura emocional, experiências passadas e habilidade para lidar com perdas. O tempo necessário para superar o luto varia significativamente de um indivíduo para outro.

  1. Os Cinco Estágios do Luto segundo Elisabeth Kübler-Ross

A psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross, em seu livro “On Death and Dying” (Sobre a Morte e o Morrer) de 1969, propôs um modelo que descreve cinco estágios pelos quais as pessoas geralmente passam ao lidar com o luto. Seus estudos, baseados em entrevistas com pacientes terminais, transformaram a maneira como compreendemos e enfrentamos a morte e o luto.

i. Negação: Na fase inicial do luto, a pessoa frequentemente nega a realidade da perda. Essa negação funciona como um mecanismo de defesa que amortece o impacto da notícia, permitindo um ajuste gradual à nova realidade. Esse estado temporário de choque pode proteger o indivíduo enquanto ele começa a processar a perda. É possível perceber certa tendência ao isolamento, como se o indivíduo precisasse passar por um período “dentro do casulo”.

ii. Raiva: À medida que a negação começa a se dissipar, surge a raiva. Essa raiva pode ser direcionada a diversas fontes: ao ente querido que faleceu, a si mesmo, ao destino, ou até a Deus. A revolta é uma expressão da impotência e da frustração que acompanham a perda. Para familiares e amigos, essa fase pode ser particularmente difícil, pois a raiva do enlutado pode parecer irracional e sem motivo aparente. Contudo, é uma fase necessária, visto que a raiva bem canalizada pode gerar ação que impulsiona a mudança positiva de vida e consciência.

iii. Negociação: Neste estágio, a pessoa pode tentar negociar, geralmente com uma força superior, na esperança de adiar ou reverter a perda. Promessas e barganhas são comuns, mesmo que a pessoa saiba racionalmente que tais acordos são impossíveis. Essa fase reflete a busca desesperada por controle em uma situação incontrolável.

iv. Depressão: A depressão no luto é marcada por uma profunda tristeza, solidão e sensação de vazio. O indivíduo pode se afastar das atividades cotidianas e das interações sociais. Esse estágio pode ser uma preparação emocional para aceitar a realidade da perda. É crucial que, durante essa fase, haja suporte emocional de amigos, familiares e terapeutas para ajudar a pessoa a evitar uma depressão prolongada.

v. Aceitação: Finalmente, a aceitação é alcançada quando a pessoa reconhece a realidade da perda e começa a encontrar maneiras de seguir em frente. A dor pode não desaparecer completamente, mas a pessoa aprende a viver com ela e começa a encontrar um novo sentido de normalidade. Recordações do ente querido podem trazer conforto em vez de dor.

  1. A Importância do Manejo do Luto na Cultura Organizacional

A cultura organizacional desempenha um papel crucial na vida dos funcionários, impactando diretamente sua satisfação, produtividade e bem-estar geral. Quando um funcionário vivencia o luto, essa experiência pessoal pode ter um efeito significativo no ambiente de trabalho. Portanto, é essencial que as organizações pensem estrategicamente no manejo do luto entre seus colaboradores. 

Existem algumas razões importantes para isso, vamos lá!

i. Bem-estar dos Funcionários

O luto afeta profundamente o estado emocional e psicológico de um indivíduo. Funcionários que não recebem suporte adequado durante o luto podem sofrer de depressão, ansiedade e outras dificuldades emocionais que impactam sua capacidade de trabalhar efetivamente. Proporcionar um ambiente de apoio ajuda a mitigar esses efeitos, promovendo o bem-estar dos funcionários.

ii. Produtividade e Desempenho

O luto pode levar a uma queda na produtividade e na qualidade do trabalho, uma vez que os funcionários enlutados podem ter dificuldade em se concentrar, tomar decisões e manter a motivação. Uma cultura organizacional que reconhece e apoia o luto pode ajudar a reduzir essas perdas, oferecendo tempo e recursos para que os funcionários possam se recuperar adequadamente.

iii. Redução do Absenteísmo e da Rotatividade

Funcionários que não se sentem apoiados durante períodos de luto são mais propensos a faltas ao trabalho e até a considerar a saída da empresa. Implementar políticas de suporte ao luto, como licenças remuneradas, horários flexíveis e acesso a serviços de aconselhamento, pode ajudar a reduzir o absenteísmo e a rotatividade, mantendo a estabilidade da equipe.

iv. Construção de um Ambiente de Trabalho Empático e Solidário

Quando uma organização demonstra empatia e apoio em momentos difíceis, isso fortalece a lealdade e o engajamento dos funcionários. Um ambiente de trabalho que valoriza e cuida de seus colaboradores em tempos de necessidade promove um senso de comunidade e pertencimento, o que pode melhorar o moral geral e a coesão da equipe.

v. Reputação Corporativa

Organizações conhecidas por tratar bem seus funcionários em todas as circunstâncias, incluindo momentos de luto, constroem uma reputação positiva no mercado. Isso pode atrair talentos, fortalecer a marca empregadora e aumentar a satisfação dos clientes, que valorizam empresas éticas e humanas.

vi. Conformidade Legal e Responsabilidade Social

Em alguns lugares, a legislação pode exigir que as empresas ofereçam certos tipos de suporte aos funcionários em luto. Cumprir essas obrigações não apenas evita problemas legais, mas também alinha a empresa com práticas de responsabilidade social corporativa, demonstrando um compromisso com o bem-estar dos funcionários.

  1. Implementando Suporte ao Luto na Organização

Para manejar o luto de maneira eficaz, as organizações podem adotar algumas práticas:

  • Políticas de Licença para Luto: Estabelecer políticas claras que permitam aos funcionários tirarem tempo necessário para processar a perda sem a preocupação de perderem o emprego ou o salário.
  • Apoio Psicológico: Oferecer acesso a serviços de aconselhamento e suporte psicológico, seja internamente ou por meio de parcerias com profissionais de saúde mental.
  • Flexibilidade no Trabalho: Proporcionar opções de trabalho flexível, como horários ajustados ou a possibilidade de trabalho remoto, para acomodar as necessidades dos funcionários enlutados.
  • Treinamento para Gerentes: Capacitar gerentes e líderes para reconhecer sinais de luto e responder de maneira sensível e eficaz, criando um ambiente de compreensão e apoio.

Pensar no manejo do luto na cultura organizacional não é apenas uma questão de compaixão, mas também uma estratégia inteligente para manter a produtividade, reduzir custos e promover um ambiente de trabalho saudável. Ao apoiar os funcionários durante os momentos mais difíceis de suas vidas, as organizações não só demonstram empatia, mas também constroem uma base sólida para um futuro mais resiliente e conectado.

Considerações Finais

O luto é uma experiência universal, mas altamente individualizada. Significa dizer que nem todos passam por todos os estágios descritos por Kübler-Ross, e a ordem desses estágios pode variar. O processo de luto pode ser longo e complexo, sem um ponto final definido. A esperança e a busca por sentido na vida são essenciais para navegar por essa jornada.

A humanização da morte e do luto é um passo vital para encontrar um significado mais profundo na vida e na perda, reconhecendo a necessidade de expressar nossas emoções e buscar apoio. Permitir-se vivenciar o luto de maneira aberta e honesta é fundamental para a saúde mental e emocional. Criar um ambiente onde as pessoas possam falar sobre sua dor sem julgamentos contribui significativamente para o processo de cura.

Além disso, é importante que a sociedade e as instituições de saúde promovam o apoio ao luto, oferecendo recursos como grupos de apoio, terapia e aconselhamento. A educação sobre o luto pode ajudar as pessoas a entenderem que sentimentos como tristeza, raiva e desespero são normais e parte do processo de cura. A sensibilização sobre a importância do luto saudável pode prevenir que a dor se transforme em transtornos psicológicos mais sérios, como depressão crônica ou transtorno de ansiedade.

Os rituais culturais e religiosos também desempenham um papel significativo no processo de luto. Eles oferecem uma estrutura para que os enlutados possam expressar sua dor e encontrar consolo na comunidade. Participar de cerimônias e rituais pode proporcionar um sentido de continuidade e apoio espiritual, ajudando os enlutados a se sentirem conectados com algo maior do que eles mesmos.

Finalmente, a compreensão das cinco fases do luto é uma ferramenta valiosa para apoiar aqueles que estão enfrentando a perda, proporcionando-lhes a empatia e a compreensão necessárias para um processo de luto saudável. Reconhecer que o luto é uma jornada pessoal e respeitar o tempo e o espaço que cada indivíduo precisa para se curar é essencial.

Encorajar a expressão de sentimentos e a busca de ajuda quando necessário fortalece não apenas os enlutados, mas também a comunidade como um todo, promovendo uma cultura de empatia e apoio mútuo.

Referência bibliográficaKubler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes; 1985.

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